Acordou e como todos os dias foi logo a varanda para checar o tempo. Viu que estava mais frio que normalmente, o que era meio incomum para sua cidade. Foi para cozinha e enquanto preparava o café analisava o apartamento organizado e limpo, assim como sua vida que a alguns meses se tornara tão metódica. Não havia mais as roupas dele jogadas no chão, a reclamação matinal diária do: "Que saco, essa toalha molhada em cima da cama!", o beijo de bom dia e seu sorriso que preenchia o ambiente e deixava a vida mais fácil.
Com o bule na mão pensou o quanto tudo havia mudado. Ela que sempre fora uma pessoa realista e sensata depois que o conhecera se tornara mais despreocupada, mais leve, mais relaxada. E olhando em volta viu que sua antiga situação e estilo de vida se repetia novamente, e isso fez seu peito sangrar pois não queria aquele vazio de volta, não queria o controle remoto como seu melhor companheiro.
Trabalha como contadora num escritório no centro da cidade, e isso revela novamente sua personalidade, já que nos números tudo é exato, não sobram fios fora do lugar, é ou não é. Não tinha muitos amigos no trabalho, e mantinha sempre o sorriso amarelo em todas as situações da tentativa de proximação dos companheiros.
Na volta para casa entrou novamente em seu carro para retomar a sua vida vazia. Passou no supermercado para comprar seu jantar, e quando caminhava vagarosamente fingindo escolher algum produto mas parou mesmo para tentar descobrir a música que tocava, viu uma mulher, provavelmente uma dona de casa, empurrando um carrinho cheio de compras, empurrados pelas mão raladas de quem cozinha para um batalhão. Isso a fez sentir ainda mais vazia, então foi ao setor de hortifruti e comprou vários kilos de batatas. Na fila do caixa olhava para o menino que empacotava suas compras com um sorriso do tipo: "Veja como não sou sozinha", mas observou que ele nem sequer tinha prestado atenção e parecia contar as horas para sair daquele ambiente para descansar. Depois do pequeno momento de insanidade, chegando no apartamento que não tinha um grão sequer de pó repousado em um móvel pensou o que faria com tudo aquilo...
A noite era sua pior inimiga. Não tinha mais um motivo para voltar, nem para QUEM voltar, ouvir reclamações do trabalho, a briga pela TV, as conversas e o sorriso que parecia várias bandeiras brancas pregadas lado a lado de maneira perfeita. Na madrugada fria não tinha mais quem a aquecesse e nem a quem aquecer, dar o "boa noite", quem beijar, sentir o calor da pele dele sobre a sua, e beija-lo estudando a geografia do seu corpo.
Continua...
Nossa Gabi, fiquei curiosa.
ResponderExcluirAdorei, muito bem escrito.
Parabéns.
Beijos!